AULA 30 – Outras poéticas do artifício no século XXI.

Pra encerrar o curso, mostro aqui alguns artistas, que embora não tenham alguma relação entre si, ilustram bem um retorno às estéticas do artifício neste começo de século, no extremo oposto das estéticas realistas que vimos aula passada. Alguns desses artistas, inclusive, foram apresentados por alunos mais curiosos em arte. Nem todos são célebres ou relevantes, mas formam um panorama bem interessante e que pode ser acrescentado por outros nomes também emergentes no cenário mundial.

Empty Dream, 1995 © Photo courtesy of Mariko Mori, AUTVIS, Brasil 2010 gun-shy_1 Holy-Motors SA_Sky-Art_Thomas-Lamadieu_Sickest-Addictions_Sick-Addicts_2012

Temos o brasileiro Vik Muniz, e seus trabalhos feitos com alimentos perecíveis, fotografias de açúcar, trabalhos com sucata; as fotomontagens (paisagens feitas de alimentos) de Carl Warner (que inclusive enfeitam as paredes do RU da Ufes); as infogravuras de Mariko Mori, em que a própria artista é protagonista de várias landscapes futuristas; as ilusões de ótica dos desenhos de Julian Beever (que faz vários trabalhos com giz colorido e bastões de pastel); as sombras imaginadas e distorcidas de Regina Silveira, adesivadas na parede e chão da galeria;  e a “Sky art” de Thomas Lamadieu – desenhos feitos  a partir de fotografias do céu. Completam a série dois vídeos de Beyoncé (o clipe de “Countdown” e a performance no Billboard Music Awards de 2011) e um clipe da banda nova-iorquina Grizzly Bear, da música Gun-shy, de 2012, que se inspira na lógica dos gif animados (que indiretamente nos remete aos aparelhos óticos do século XIX, pré-cinema) para trazer uma visualidade carregada de frescor em termos de vídeo.

A Palma de Ouro concedida em 2012 a  Holy Motors, filme do francês Leos Carax, também ilustra como esse “artificialismo” cinematográfico tão característico dos anos 80 de repente voltou com força total no circuito.

Termino o semestre fazendo uma rápida reflexão de como as artes contemporâneas frequentemente têm dialogado entre esses dois polos que demarcam as quatro últimas aulas do semestre: o realista e o artificialista (até porque muito de metalinguagem é artifício puro, disfarçado de real). Confesso que esta última aula é muito mais uma escolha intuitiva (tanto que nem tem bibliografia) do que algo já consolidado. Uma aposta. Por isso mesmo que o conteúdo dela vai mudando todo semestre. Acaba sendo uma aula-coringa, frequentemente reinventada enquanto espero os anos passarem e ver exatamente onde esse tipo de estética vai dar, no que ela pode se ramificar e se realmente esse tipo de leitura que hoje faço desse conjunto de obras irá vingar

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Aula 29 – Ironia e Consumo: releituras do legado de Duchamp e Warhol nas artes contemporâneas

Texto: Filipe Scovino, “A ironia e suas estratégias na obra de Cildo Meireles”.

O conceito de ready-made proposto por Duchamp foi o marco inicial de uma aproximação entre arte e vida cotidiana, utopicamente concebida (porém não plenamente realizada) pelas vanguardas modernistas do início do século. Já Warhol, dentro do espírito da pop art da década de 60, recolocou essa questão sob o viés da produção em série na sociedade de consumo e da mediação proporcionada pelos meios de comunicação de massa.

Inserções em Circuitos Ideológicos

A partir da década de 70, tais ideias passam a influenciar uma série de propostas artísticas, seja por um viés mais crítico/político, como o adotado por Cildo Meirelles em sua série Inserções em circuitos ideológicos, que soava bastante provocativa/subversiva no contexto totalitário da ditadura militar brasileira.

“Para ser curvada”, de Cildo Meirelles
“Babel”, de Cildo Meirelles

Ou ainda a ironia ácida de Nelson Leirner e suas “procissões”, reunindo miniaturas produzidas em série, como imagens de santos e orixás, bonequinhos baratos de 1,99, dinossauros, personagens de desenhos animados, super-heróis e outros elementos da cultura popular e pop (muitas vezes, neste último caso, tangenciando o kitsch).

“Vestidas de branco” (Nelson Leirner)
“Vestidas de branco”, de Nelson Leirner

Na década de 60, Leirner atualiza a provocação do mictório duchampiano (ocorrida quase 50 anos antes!), ao submeter à comissão de seleção de um salão de arte brasileiro um porco empalhado, o que causou uma gigantesca polêmica sobre se isso seria arte ou não. Na Bienal de São Paulo de 2010, uma curiosa releitura dessa obra se faz na instalação Pacavoa, em que um javali empalhado (originalmente, seria uma paca) “pilota” uma máquina de voar, projetada por Leonardo da Vinci e nunca construída.

O porco empalhado de 1966
O javali empalhado de 2010
O protótipo de Leonardo da Vinci

Uma outra possibilidade é o diálogo direto com o kitsch da cultura de massa/pop, investigando muitas vezes novos sentidos estéticos onde o senso comum julgaria de antemão como território de “mau-gosto”. Neste caso, o trabalho do norte-americano Jeff Koons, principalmente a partir dos anos 80, seria um exemplo bastante instigante e polêmico, seja com suas esculturas gigantes metálicas, o irônico souvenir de porcelana retratando o popstar Michael Jackson e seu macaco de estimação. Vale ainda destacar a inversão que Koons faz do trabalho de Roy Lichtenstein em seu Popeye “ilusionista”: aquilo que, à primeira vista, parece com uma fotografia de uma impressão ampliada de uma imagem de revista em quadrinhos e de um boneco inflável plástico, na verdade é uma pintura com alto grau de detalhismo hiperrealista.

Uma das gigantescas esculturas de Koons, exposta em 2008 nos jardins do Palácio de Versailles, na França
“Michael Jackson and Bubbles”, 1988
Popeye, de Jeff Koons (óleo sobre tela, 2003)

Já o japonês Takashi Murakami, que ganha notoriedade internacional nos últimos 15 anos, assume uma ambígua postura frente à cultura pop, em especial o j-pop. Suas figuras coloridas remetem a art toys, animes, mangás, ao visual da colorida juventude pós-moderna japonesa, adicionando elementos lisérgicos e até mesmo uma dimensão de crueldade em figuras aparentemente “fofas” e “inofensivas”, que ora parecem saídas de um conto de fadas, ora de uma narrativa de horror.

DOB in the strange forest, obra de Takashi Murakami (1998)
“Hiropon”, de Takashi Murakami, 1997

Ao mesmo tempo que se inspira na cultura de consumo massivo, Murakami também produz para ela (em especial no campo do design gráfico), adicionando seu traço peculiar como uma espécie de griffe bastante disputada, seja ao desenhar estampas para a exclusivíssima marca de bolsas Louis Vutton ou assinando capas de cds (Graduation) e direção de videoclipes (Good Morning) para o Rapper Kanye West.

MUrakami é herdeiro de uma tradição de cultura pop bastante forte no Japão, em especial nas artes visuais,com os trabalhos pioneiros de Yayoi Kusama, desde os anos 60, com sua obsessão em repaginar o mundo com as estampas de bolas e outras extravagâncias, desde os anos 60 até hoje, inclusive na excêntrica coleção de estampas que desenvolveu recentemente pra Louis Vuitton.

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Falando de Japão, cabe abrir parênteses pra apresentar um pouco de sua cultura pop: animes (como os filmes do Miyazaki), mangás (o pioneiro Astro Boy, de 1952), e as tribos de adolescentes da região de Harajuku.

O japonês Yoshitomo Nara também se apropria da estética dos animes para retratar suas cruéis figuras infantis.

Numa linha que mistura pop e surrealismo, temos o californiano Mark Ryden, atuando desde os anos 80, e que também fez capas de discos de Michael Jackson (Dangerous) e Red Hot Chili Peppers (One Hot Minute).

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Fechando esse bloco, temos Pedro Almodóvar, que surge no final dos 70 como uma espécie de Warhol espanhol, dentro de um movimento juvenil conhecido como Movida Madrileña, espécie de liberação pós-Franco, misto de pop art, new wave, punk e desbunde com altas doses de ironia. De seu primeiro longa, Pepi Luci e Bom (1980), mostro duas cenas: os créditos de abertura e os comerciais das calcinhas Puton. Outro nome do período é a cantora Alaska, que em 2005 viria a ter um clipe dirigido pelo uruguaio Martin Sastre, com altas doses de ironia e citações a clipes clássicos da cultura pop mundial.

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AULAS 27 e 28 – O retorno do Real nas artes: Hiperrealismo, Melancolia pós-pop, Grunge, Estetizações da violência. Metalinguagem/ metacinema

Leitura sugerida: “A biblioteca de Babel” (Jorge Luiz Borges, conto)

Se a crise do realismo, desencadeada com a chegada da fotografia, é um dos eventos centrais para o nascimento da chamada Arte Moderna, é justamente um retorno ao real, a partir da década de 70, que irá se dar nas artes contemporâneas, atingindo seu auge a partir dos anos 90.

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Nosso percurso começa pelos desenhos, pinturas e esculturas hiperrealistas, que emulam a fotografia e fascinam o público por não parecerem feitos por mãos humanas. O movimento surge nos anos 70, mas passa a ter uma súbita popularidade nos últimos anos, graças às redes sociais, chegando inclusive a pessoas que usualmente não consomem arte contemporânea.  Se no início o discurso por trás do hiperrealismo era de um fascínio pela técnica, nos últimos anos têm emergido artistas que  trabalham de forma irônica, como os autorretratos na banheira de Lee Price (ela se fotografa comendo na banheira, e depois reproduz a cena em pinturashiperrealistas) e as esculturas gigantes e grotescas do Ron Mueck (que irá fazer uma mega-exposição no Brasil em 2014).

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Em seguida, temos a geração britânica dos 90, revelada com a exposição Sensation, realizada na Royal Academy (Londres) em 1997, que trabalha de maneira polêmica a relação do sensacionalismo e da exposição da intimidade.  Artistas: Tracy Emin ( que revela os nomes de todo mundo com quem dormiu desde criança, com as letras recortadas em tecidos de lençóis, afixadas nas paredes de uma barraca); Marcus Harvey (cujo trabalho Myra é um gigantesco painel, ampliando a fotografia P&B de uma serial killer, todo carimbado com mãos de crianças – obra que causou imensa repulsa na época, e foi alvo de vários atentados); e Damien Hirst, o mais valorizado e o mais escandaloso (com seus animais mergulhados em formol, a caríssima caveira forrada de diamantes, denominada “For the love of god” ou ainda a série de telas “I feel love”, cobertas por cola e um perfume que atraía borboletas, e que, colocadas ao ar livre, capturavam os insetos e nos faziam testemunhas de sua própria morte).

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Outra presença do real vem dos discursos da violência na cultura pop dos anos 90: seja a melancolia do grunge (Nirvana, Pearl Jam), a agressividade do Gangsta Rap), a estetização da violência nos filmes do Tarantino e nas fotografias de Larry Clark.

O vídeo Girl Power, realizado pela norte-americana Sadie Benning em 1993, quando tinha somente 19 anos, representa aqui os trabalhos autobiográficos, de tom confessional, que passaram a ser uma constante nos campos da videoarte e dos documentários. Novamente, o real se fazendo presente.

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Por fim, veremos como a metalinguagem voltou com força total nos últimos vinte anos, principalmente num cinema que mistura real e ficcional, sem deixar claro onde começa um e onde termina o outro. Começo a série mostrando uma imagem que mistura essas instâncias todas: o atentado de 11 de setembro. Em seguida, mostro que a metalinguagem não é novidade nas artes – a tela As meninas, do espanhol Velázquez, já problematizava em 1656 (ou seja, ainda no Barroco) o lugar do espectador na cena, a partir de um curioso jogo que nos coloca no exato lugar que as figuras que posam para o retrato executado pelo pintor que aparece no quadro. Aliás, para quem tanto olha a Mona Lisa de Da Vinci?

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A apropriação que Duchamp faz da Mona Lisa também só funciona por ser um discurso metalinguístico com a própria história da arte e com o lugar sagrado que o quadro de Da Vinci ocupa, como a mais famosa obra de arte de todos os tempos.

No século XX, os contos do argentino Jorge Luiz Borges também trabalhavam com a ideia da metalinguagem, em especial as resenhas para livros que nunca foram escritos, ou a própria estória da Biblioteca de Babel.

Por fim, temos os filmes que misturam ficção e documentário do iraniano Abbas Kiarostami (Close Up, 1990) e também Atividade Paranormal 3, exemplo bem interessante de metacinema dentro dos blockbusters norte-americanos.

 

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AULA 26– Multiculturalismo, hibridismo e globalização: o “resto” do mundo somos nós?

Texto: “O cosmopolitismo do pobre” (Silviano Santiago) menlibayeva_2011web_the_phoenix Aqui, a discussão propõe experimentar o olhar não-eurocêntrico para as artes, de modo que possamos discutir o olhar multicultural e repensar o lugar do terceiro mundo. Problematizo a forma como certos trabalhos são reduzidos, no contexto internacional, ao viés do exótico (Beatriz Milhazes, artista brasileira contemporânea mais reconhecida no mercado internacional,que muitas vezes é valorizada pelos estrangeiros pelas cores e formas exuberantes, em lugar de situarem-na numa linhagem de abstração geométrica; ou o cinema de Bollywood, com sua narrativa peculiar). Em seguida,mostro o multiculturalismo como possibilidade de resistência (exemplos:  as fotografias feministas da iraniana Shirin Neshat; o resgate das lendas locais na obra do artista do Casaquistão Almagul Menlibayeva; o radicalismo cinematográfico do tailandês Apichatpong Weerasethakul, que não faz questão de distinguir, em seus filmes, os domínios do real concreto e do mágico/espiritual).  shirin2 Para encerrar, resgatamos a  ideia de “cosmopolitismo do pobre”, do Silviano Santiago, aliada às “culturas híbridas” do Canclini, para pensar  o caráter transcultural e cosmopolita em certas culturas periféricas brasileiras: o resgate da cultura afro na Axé Music dos 80 (Madagascar Olodum, da Banda Reflexus), o funk carioca e seus sampleamentos anárquicos, e o tecnobrega paraense, misturando tradições culturais amazônicas (e ritmos caribenhos) com a tecnologia barata da música eletrônica.

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Aula 25 – Revival, citação e intertextualidade na cultura pop

Numa época em que tudo é citação (e que a própria citação virou uma instância central de comunicação e mediação nas sociedades pós-modernas), qual o lugar da originalidade nas artes contemporâneas? Ou melhor: a originalidade ainda é o “valor maior”, tal qual pregavam os modernistas da primeira metade do século?

Não, não é. E, acreditem, isso é algo bom. A cultura do mash up que o diga! E, de quebra, ainda reinventa-se toda a noção de autoria.

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Responda rápido: quanto de intertextualidade pode haver num sampling musical?

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Que tal um exemplo nacional?

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E um musical pós-moderno, em que canções pop das últimas quatro décadas embalam uma história de amor ambientada no final do século XIX/começo do século XX? Quantos novos significados podem surgir desse “mashup” cultural?

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Texto estudado: “Cultura da reciclagem”, artigo de Marcus Bastos, publicado no livro Cultura em fluxo (org. André Brasil)

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AULAS 23 e 24 – Política e engajamento nas artes. Ativismo urbano.

Textos: “Joseph Beuys tem maior retrospectiva já realizada no Brasil” e “Arte e política: Um passeio pela obra de Ai WeiWei”

Exibição de trecho (meia hora) do documentário sobre Banksy (Exit through the gift shop) e debate. 

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É possível fazer arte política nos dias de hoje?

Algumas imagens para reflexão:

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Yinka Shonibare – “Diary of an victorian dandy” (fotografia, 1998)

M.I.A – BORN FREE VIDEO OFFICIAL (real and explicit version)
Carregado por elnino. – Ver os últimos vídeos de musica em destaque

“Now!”(1965), filme do cubano Santiago Alvarez:


Elisabeth Ohlson – “Ecce Homo – Last Supper” (fotografia ,1998)

Fotos do livro “Tulsa”, lançado por Larry Clark em 1971

 

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AULA 22 – A virada dos 70 para os 80 e a emergência de novas subculturas juvenis: (Punk, Pós-Punk, Hip Hop, Grafite e Neo-Expressionismo).


Um verdadeiro choque cultural sacode o ocidente no final dos anos 70 e início dos 80. Uma série de propostas culturais originárias de uma juventude em total desacordo com o “mundo adulto” (marcado por uma forte recessão econômica e pelos engessados governos de direita como Reagan e Tatcher) traduz esse sentimento de descontentamento e a necessidade de experimentar outros caminhos – o que, no Reino Unido, pode ser exemplificado pela agressividade punk de bandas como The Clash e do Sex Pistols (e pela moda iconoclasta da estilista Vivienne Westwood), pela reflexividade e melancolia intelectual dos pós-punks (Joy Division, The Cure, Siouxsie, Smiths, U2, bem como, no Brasil, os primeiros discos da Legião Urbana) e góticos (Bauhaus), pelas paisagens artificiais e pós-modernas do synth-pop (Human League, New Order, Depeche Mode, Soft Cell e outros tantos herdeiros do Kraftwerk) e dos andróginos e glamourosos new romantics britânicos (Boy George e Duran Duran à frente, ecoando até mesmo no som dos brasileiros RPM).

Do outro lado do Atlântico, borbulha um gigantesco caldeirão de referências que permeia a música pop norte-americana do período (em especial a cena punk/new wave que florescia ao redor do clube CBGB, palco para bandas tão diferentes entre si como Ramones, B-52’s, Blondie, Devo e Talking Heads, sem contar os minimalistas do movimento no wave, os experimentalismos da chamada mutant disco, o flerte com o reggae no som do The Police, com os ritmos caribenhos de Kid Creole, o rockabilly dos Stray Cats, ou ainda o nascimento da house music, em Chicago, e do techno em Detroit, ambos em meados dos 80…).

Era como se o punk, com sua anarquia, seu espírito de faça-você-mesmo (que inclusive originaria dezenas de gravadoras independentes, fanzines e turnês improvisadas rodando o país a bordo de vans durante meses) e sua fúria fossem uma espécie de marco zero – depois do qual haveria diversas páginas em branco, a serem preenchidas pelas dezenas de propostas desses movimentos todos.

Marcada por toda uma mescla de euforia desmedida e irrefreável angústia (afinal várias eram as sombras que pairavam como ameaças a essa juventude, como a Aids, as overdoses, o desemprego em massa, a ameaça da Guerra Fria), essa efervescência toda ganhava espaço, num sentido de urgência, vivido muitas vezes como se não houvesse amanhã (ecos desse zeitgeist encontram-se também na literatura da época – e podemos constatar isso em autores brasileiros como Ana Cristina César, João Gilberto Noll, Caio Fernando Abreu, ou nas letras de música de Cazuza e Renato Russo).

Em Nova Iorque, Nan Goldin foi testemunha desses anos, e uma das figuras centrais do cenário das artes visuais, com suas fotografias e slideshows que retratavam a urgência de sua geração, tentando se equilibrar entre suas utopias e distopias.

E essa juventude tomava nas ruas, dia e noite, da mesma forma que o faria uma nascente e radical cultura originada entre a juventude negra nova-iorquina: o Hip Hop.

Quatro eram os pilares da cultura Hip Hop: o canto falado do Rap (que, com seu esperto jogo de palavras, assumir-se-ia como uma espécie de crônica do cotidiano nas periferias das grandes metrópoles); o DJ (com suas colagens sonoras, criando novos sons e ritmos a partir de discos já existentes, numa radical forma de intertextualidade musical catalisada pelo ato de “samplear”); a dança de rua (Breakdance), que assumia um caráter público e coletivo, ao ser praticada a céu aberto e reunindo rodas de dançarinos, uns desafiando os outros (algo que também acontecia entre os rappers); e o Grafitti, forma radical, irreverente e espontânea de intervenção na paisagem urbana.

No decorrer da década de 80 e 90, o Grafite iria ser assimilado pelo circuito de museus e galerias das artes visuais, tornando vários grafiteiros em celebridades insólitas, como Bansky ou os paulistanos OsGêmeos. Um dos pioneiros  nessa incorporação é o paulistano Alex Vallauri:

É também nas ruas, desta vez na “incansável” Nova Iorque, que jovens artistas vão dialogar diretamente com o desenho, a pintura, a gravura (muitos inclusive oriundos do grafitti), num resgate de modalidades artísticas que estavam totalmente abandonadas na década anterior. Uma figura central nesse momento é Keith Haring, com suas imagens coloridas, vibrantes e irreverentes.

E também engajadas, em causas nobres como a luta contra o preconceito aos portadores do HIV e à homofobia:

Não à toa, Haring era amigo íntimo de uma jovem cantora surgida nesse mesmo contexto das ruas nova-iorquinas e da cultura de street dance: a então desconhecida Madonna, que se lançaria no cenário musical cruzando várias dessas referências num repertório de apelo pop massivo.

Já no século XXI, Madonna prestaria uma nostálgica homenagem a esse contexto cultural, ao utilizar animações de desenhos de Haring em sua turnê, ao som da canção “into the groove”:

Além de Keith, outro jovem pintor que surge no período (e é apadrinhado imediatamente por Warhol) é Jean-Michel Basquiat. Sua pintura vigorosa, por vezes misteriosa e repleta de referências ao expressionismo e às raízes haitianas de seus antepassados dialogava diretamente com a estética nova-iorquina do período, presente na música e no cinema underground:

Aliás, o retorno à pintura, na década de 80, em muito se baseia numa espécie de neo-expressionismo, que inclusive se tornaria bastante popular mundo afora  – a ponto de, na XVIII Bienal de São Paulo, realizada em 1985, ter sido organizada a chamada “A grande Tela”, um corredor longo em que foram espalhadas, lado a lado, em ambas as paredes, dezenas de pinturas neo-expressionistas de artistas de diversas procedências, como se todas fossem parte de uma única e interminável obra).

Esse espírito também se espalharia por boa parte da geração 80 das artes visuais brasileiras, em especial o (gigantesco e sempre crescente) grupo que se reunia para pintar na Escola de Artes Visuais do Parque Lage, no Rio de Janeiro. Dessa geração, podemos destacar o carioca Jorge Guinle, que alcançou notoriedade em sua carreira extremamente curta (atingindo reconhecimento por volta de 1983, encerrando-se com sua morte, aos 40 anos, em 1987).

Nos confins da cidade muda (tela de Jorge Guinle, 1983)

Outro nome central nas artes brasileiras, surgido na década de 80, e que também capta esse espírito de inconformismo e urgência é o cearense Leonilson. Utilizando-se muitas vezes de técnicas como os bordados e costuras, ele constrói, durante cerca de uma década, uma obra essencialmente autobiográfica (e que faz alguma referência à produção de Arthur Bispo do Rosário), retratando a solidão como se cada obra fosse uma carta para um diário íntimo, no dizer da crítica de arte Lisette Lagnado (e esse diálogo extremamente sensível e delicado se estenderia até sua morte precoce, aos 36 anos, em 1993, também vítima da AIDS, como Guinle, Haring, Arthur Russell, Caio Fernando Abreu, Renato Russo e Cazuza, entre outros brilhantes jovens artistas de sua época). Contudo, é curioso perceber como a obra de Leonilson soa cada vez mais atual, de modo que hoje o artista possui uma reputação internacional muito mais ampla do que a que obteve em vida.

Texto: “Ainda sujos depois de todos esses anos” (reportagem da revista Rolling Stone, n.13, out. 2007) e verbete “Graffiti” (Enciclopédia Itaú Artes Visuais). 

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Aula 21 – Discursos do corpo nas artes contemporâneas: contracultura, androginia, feminismo. Performance. Corpo e sensorialidade.

“Nostalgia do corpo”, de Lygia Clark

A partir da década de 60, a questão do corpo como uma instância central da experiência ocidental passa a ser um tema bastante explorados pelas artes em geral. Podemos encontrar ecos desse pensamento no campo da filosofia, em especial no pensamento de Michel Foucault, que em sua “História da Sexualidade”(em 3 volumes publicados entre 1976 e 1984), afirma ser o corpo como um dos lugares centrais de definição do sujeito e das relações de poder nas sociedades modernas. Também vemos a popularização dos estudos do corpo na psicanálise, a partir dos livros publicados por Reich ainda nas décadas de 40 e 50. E ainda a consolidação do campo da sexologia, centrada nos estudos do comportamento sexual humano, em especial popularizada pelos best-sellers escritos por Kinsey (nos anos 40-50), acerca do comportamento masculino e da resposta feminista nos relatórios (também best-sellers) publicados por Shere Hite nos anos 70.

Hair, filme de Milos Forman (1979)

Aliás, uma forte revolução de costumes e posturas acerca dos campos de gênero e sexualidade começa a tomar corpo no período, eclodindo com força na segunda metade dos anos 60: é a época da revolução sexual, e de movimentos militantes feministas e gays, bem como os movimentos contestatórios de contracultura, bastante populares entre a juventude (como o movimento Hippie) e até mesmo a ascensão de astros pop que flertavam abertamente com a androginia.

David Bowie

Androginia, feminismo, revolução de costumes sexuais… uma vontade de “libertar” o corpo das convenções sociais não só irá encontrar repercussão na cultura de massa, mas também nas artes visuais (em especial na performance e na fotografia), no cinema, na música, na literatura. Essa investigação acerca da dimensão corporal será estudada, nesta aula, na obra de diversos artistas, desde a pintura (Francis Bacon, Lucien Freud), e o cinema (em especial Hair e Rocky Horror picture show), aos trabalhos sensoriais de Lygia Clark e às performances de Marina Abramovic (lembremos que a performance é uma modalidade artística que utiliza o próprio corpo do artista – e por vezes o do espectador – que se torna bastante popular a partir da década de 60). Aliás, o uso do corpo nas artes muitas vezes passa por um forte viés político e contestatório.

Marina Abramovic

Daremos foco também a outras mulheres artistas, que surgem a partir dos anos 70/80/90, e que elegem o corpo como aspecto central de suas obras, como Rebecca Horn, Cindy Sherman, Nazareth Pacheco, Adriana Varejão, entre outras.

Rebecca Horn

Textos: capítulo introdutório do livro “Performance nas artes visuais”(Regina Melim) e “A ascensão de um poder jovem” (do livro “O que é contracultura?’, da Coleção Primeiros Passos).Verbete sobre Cindy Sherman do livro “Mulheres Artistas”(Taschen)

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Aula 20 – Videoarte e Vídeo-instalação

Texto:  “Imagens em movimento” (do livro “Video Art”, de Sylvia Martin)

Outra vertente fundamental que surge no final dos anos 60 é a que dialoga com o vídeo, sob a forma de exibições do tipo single channel (Videoarte) ou como parte de instalações (videoinstalações). Dentre os pioneiros do primeiro grupo, temos o coreano Nam June Paik (com seu Global groove, de 1973, considerado por muitos como um equivalente videográfico do Cidadão Kane, guardadas as devidas proporções), e os norte-americanos Dara Birnbaum e Bill Viola, a suíça Pipilotti Rist, a brasileira Letícia Parente, entre outros.

Abaixo, quatro clássicos da videoarte: um trecho de Global Groove (Nam June Paik, 1973), The reflecting pool (1977), de Bill Viola, Technology Transformation: Wonder Woman (1978), de Dara Birnbaum,  e I’m not the girl who misses much (Pipilotti Rist, 1986).




 

 

 

Também iremos ver alguns vídeos de Letícia Parente, realizados nos anos 70.

No campo da videoinstalação, além de Paik, podemos citar Bruce Nauman, com suas obras Corredor de vídeo gravado ao vivo (Live-taped Video Recorder, 1970) e Obra de vídeo para vigilância (sala pública, sala privada) (Video Surveillance Piece (Public Room, Private Room), 1969-70).


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AULA 19 – O surgimento da arte contemporânea no final dos anos 60: Arte conceitual, Instalação, Land Art, Intervenção urbana e outras relações entre arte e paisagem

Textos: Verbetes da Enciclopédia Itaú Artes Visuais: “Op art”, “Minimalismo”, “Arte conceitual”, “Land Art” e “Instalação”. Verbete sobre “Yoko Ono”, do livro “Mulheres Artistas” (Taschen)

 

A valorização do conceito, mais que do fazer, dá origem ao que se conheceria como Arte Conceitual, num resgate das ideias de Duchamp na primeira metade do século sobre o fazer artístico. Dentre os artistas que se destacam no período, temos o grupo Fluxus, de onde surgiriam dois nomes centrais das artes nos últimos 50 anos: o alemão Joseph Beuys e a  japonesa Yoko Ono.

Joseph Beuys, ‘The Silence,’ 1973. (Cinco rolos de negativo 35 mm, galvanizados)

Joseph Beuys, “I like America and America Likes me”, performance realizada em 1974

Performance “Como explicar uma obra de arte para uma lebre morta?”, de Joseph Beuys

A arte passa a ser reconhecida como um conjunto de proposições estéticas endereçadas ao público, e o conceito e o processo em si acabam sendo mais importantes do que o produto final.

Grapefruit (Yoko Ono) livro de propostas artísticas inspirado no zen budismo

Trecho de Grapefruit

A árvore dos desejos, de Yoko Ono

Também podemos pensar como exemplo de arte conceitual, no campo da música, a peça 4’33”, de John Cage, uma profunda reflexão sobre o silêncio e seus ruídos, a preencher os espaços vividos.

Para dar conta dessas novas propostas, uma série de modalidades artísticas surgem, como a Performance, o Happening, a Instalação, os Site Specifics e as Intervenções Urbanas. Mesmo modalidades ditos tradicionais, como a escultura, foram reinventados, como podemos ver neste trabalho abaixo, de Anish Kapoor, numa curiosa releitura do conceito de arte pública e de paisagem urbana:

No Espírito Santo, o marco inicial da arte contemporânea é a proposta de intervenção urbana do então jovem artista (19 anos) Nenna: “Estilingue”, de 1971.

O estilingue do capixaba Nenna, na Praia do Canto, em 1971

Nesse contexto, a Land Art surge como um movimento que trabalha a intervenção direta do artista na paisagem natural, como os trabalhos de Michael Heizer, Robert Smithson e da dupla (casal) Christo e Jeanne-Marie, literalmente “embrulhando” prédios públicos e intervindo em parques e recifes de coral.

Double negative, de Michael Heizer

Double negative, de Michael Heizer (vista aérea)

Quebra-mar em espiral (Spiral Jetty), obra de Robert Smithson executada em Salt Lake, 1970

Vista aérea do Spiral Jetty

Textos estudados: capítulo introdutório do livro “Performance nas artes visuais”, de Regina Melim; Verbete “Yoko Ono”, do livro Mulheres Artistas (Uta Grosenick); matéria sobre Anish Kapoor publicada na Veja; matéria sobre Christo e Jeanne-Marie, publicada na Bravo!

O Reichstag, “embrulhado” por Christo e Jeanne-Marie em 1994

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Aulas 17 e 18 – O Brasil nos anos 60: cultura pop, MPB engajada, Tropicalismo, Cinema Novo e Cinema Marginal

Cláudio Tozzi e a “pop art” de protesto brasileira

A pintura de crítica social de Rubens Gerchmann

Na década de 60, uma série de transformações sociais e políticas repercutem na efervescente produção cultural brasileira do período. De um lado, o surgimento de uma cultura de massa jovem, marcada pela ascensão de ídolos pop como Simonal e Jorge Ben, além do “rei” Roberto Carlos e do movimento da Jovem Guarda.

Wilson Simonal, o primeiro popstar negro do Brasil

A Jovem Guarda do “rei” Roberto

Do outro, uma forte politização no discurso artístico, tanto na MPB (a geração de protesto e dos grandes festivais, o resgate do samba de raiz e do choro, a maturidade da bossa nova), na pintura (pop art), no cinema (o cunho social da revolução estética proposta pelo Cinema Novo e a irreverência e o experimentalismo iconoclástico do Cinema Marginal), na literatura…

O cinema novo de Glauber Rocha

O cinema marginal de Rogério Sganzerla

Dialogando com a produção pop de vanguarda mundial (ou seja, a pop art norte-americana, a contracultura e as experimentações da música psicodélica, que inclusive atingiriam grandes públicos através de conjuntos como os Beatles), e retomando alguns aspectos do Modernismo brasileiro da Semana de 22 (como o hibridismo entre tradição e contemporaneidade, ou a pressão pela dissolução de fronteiras entre cultura popular, erudita e de massa), surge um movimento que deixa marcas fortíssimas na música popular e nas artes visuais (em especial no trabalho de Hélio Oiticica) do período: o Tropicalismo.

O clássico slogan da bandeira de Hélio Oiticica

Aliás, o tropicalismo musical mudaria totalmente a face da música brasileira nas décadas seguintes. Da geração de Caetano, Gil, Gal, Tomzé, Os Mutantes, até uma vasta gama de herdeiros, como os Novos Baianos, os Secos e Molhados, Raul Seixas, a black music tipicamente brasileira da década de 70, o Clube da Esquina, a geração nordestina setentista e tantos outros nomes…

Textos: “Tropicalismo” (Ana de Oliveira) e verbetes sobre “Cinema Novo” e “Cinema Marginal” (site Infoescola). Listas: “Os 100 maiores discos da música brasileira” e “As 100 maiores músicas brasileiras” (da revista Rolling Stone)

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AULAS 15 e 16 – Os beatniks e o nascimento da contracultura. A revolução Cultural. Pop art e cultura de consumo.

Textos:

Aula 15: “Beatniks: Os filhos da grande depressão” (texto publicado na Gazeta Mercantil) e “Revolução Cultural” (Eric Hobsbawm, do livro “A era dos extremos”). Para leitura complementar, sugiro “A linguagem dos cabelos compridos” (Pier Paolo Pasolini)

Aula 16: “Arte pop” (trechos do livro de David McCarthy) 

Um dos momentos culturais mais marcantes da virada dos anos 50 pros anos 60 está no inconformismo do personagem Holden Caufield, protagonista de O apanhador no campo de centeio, romance do norte-americano J.D. Salinger (1951), anti-herói que simboliza toda uma idéia de rebeldia juvenil que dialoga diretamente com o nascimento do rock’n’roll, no final da década de 50.

Confira um trecho de O apanhador no campo de centeio aqui. E uma ótima resenha sobre o livro de Salinger, publicada no site Scream&Yell, você lê neste link.

Liberdade, necessidade de correr mundo, errância. O corpo que vaga, aberto a novas experiências (inclusive sensoriais, alucinógenas, sexuais, políticas e místicas) e valores,  foi um dos pontos de partida para a literatura Beatnik dos anos 50, em autores como o poeta Allen Ginsberg e o romancista Jack Kerouac, autor do seminal On the road (Pé na estrada), livro publicado em 1959. O movimento Beatnik, flertando com a marginalidade e criticando radicalmente o american way of life em plena era de caça às bruxas do período macarthista (além de propor um estilo de vida radicalmente alternativo para sua época), e que influenciaria fortemente a contracultura contestatória da década seguinte.Vale destacar o uso de uma linguagem fortemente coloquial, sem pompas, em tom muitas vezes confessional, inconformista e deliciosamente inconsequente, bastante característica da juventude de sua época.

Quer saber mais sobre o livro de Kerouac? Uma boa resenha encontra-se aqui.

Com esses autores e seus estilos de vida alternativos ao american way of life, populariza-se a ideia de contracultura, como uma espécie de poder jovem subversivo, que vai surgir primeiramente na cultura beatnik dos anos 50 e explodir massivamente no movimento hippie dos anos 60.

Por outro lado, a ascensão de uma cultura global de consumo, de caráter massivo, marca o conjunto de transformações sociais do pós-guerra. No novo contexto mundial que emerge, as artes também passarão por uma reconfiguração, menos calcada em valores da modernidade até então vigentes e mais voltados a novas experimentações estéticas, que dialoguem, ora de forma entusiasmada, ora de forma bastante crítica e ácida com uma cultura de consumo que absorve a tudo, até ao que a ela resiste, como as contraculturas. Exemplo disso está no texto do cineasta italiano Pier Paolo Pasolini, que mostra como o capitalismo sempre se apropria dos signos de rebeldia e contestação, mudando seu sentido para algo mais voltado à lógica do consumo (como os cabelos compridos dos hippies, por exemplo).

O surgimento da pop art e sua expansão dentre os artistas norte-americanos, no final dos anos 50 e na década de 60, além de assumir-se como uma resposta à exarcebação do gesto e do emocional proposto pelo expressionismo abstrato,  e à frieza industrial do minimalismo, coloca uma questão até então inédita no contexto das artes visuais: a ambígua relação entre experiência estética e cultura de consumo. De certa forma, a pop art seria o equivalente estético do contexto da nascente Revolução Cultural   que o historiador Eric Hobsbawm identifica a partir do pós-guerra.

roy lichtenstein

Apropriando-se do imaginário da sociedade de consumo que se instala no ocidente a partir do final da Segunda Guerra, em especial as benesses vendidas pela publicidade, as celebridades midiáticas e as experiências oriundas do cinema, da cultura pop e da televisão, essa corrente artística (que revelou nomes como Lichtenstein e Warhol) ressiginificava uma série de elementos e conceitos até então vigentes nas artes visuais – vide as paisagens urbanas/midiáticas, as ruas repletas de outdoors e automóveis luxuosos, as intermináveis prateleiras de supermercado, todas essas substituindo as pinturas de paisagens tradicionais; ou ainda as naturezas-mortas do pós-guerra, repletas de produtos industrializados e colagens de réplicas sintéticas dos alimentos outrora retratados nas tradicionais pinturas dos séculos anteriores.

A apropriação da lógica industrial de reprodução de imagens (como o silk-screen, por exemplo), ou de estéticas pop industriais (quadrinhos, programas de tv, anúncios publicitários, estrelas do cinema e da música) assume-se como uma então inusitada recriação da idéia de ready-made duchampiano, bem como recoloca o questionamento sobre o ofício do artista e dos limites da arte sob uma nova perspectiva.

Ao mesmo tempo apologia e crítica sobre a lógica de consumo e de seus prazeres prometidos, o movimento artístico se situava numa ambígua posição, repleta de ironia e questionamento.

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Aula 14 – A modernidade brasileira nos anos 50

50 anos em 5 – o slogan de JK, que traduziu um certo espírito otimista decorrente da industrialização brasileira da segunda metade da década de 50 e começo dos anos 60, marca o início de um amplo processo nacional de urbanização que atravessará as décadas seguintes.

Em termos estéticos, essa urbanidade irá se traduzir na ampliação das propostas artísticas da modernidade, em especial trazendo ao Brasil um diálogo direto com as correntes e questões que norteavam a produção mundial no mesmo período.

A poesia concreta de Décio Pignatari

No âmbito formalista, destacam-se a arquitetura de Oscar Niemeyer (principalmente para a recém-inaugurada Brasília), bem como a visualidade inovadora da poesia concreta dos irmãos Campos e de Décio Pignatari. Nas artes visuais, movimentos que dialogavam com a abstração geométrica (Concretismo e Neo-concretismo, principalmente) revelavam uma série de nomes que colocariam o Brasil pela primeira vez no cenário internacional das artes: Amílcar de Castro, Frans Weissmann, Lygia Pape, Lygia Clark e Hélio Oiticica, entre outros (inclua-se nessa lista o capixaba Dionísio Del Santo).

Os “bichos” de Lygia Clark

Embalagens de biscoito desenhadas por Lygia Pape

Outras experimentações de linguagem marcam a terceira geração modernista da literatura, como Clarice Lispector (que estréia em 1943, com o surpreendente romance Perto do coração selvagem, mais bem-sucedida experiência com os fluxos de consciência na literatura brasileira até então), Guimarães Rosa (que em 1956 publicaria Grande sertão: veredas, verdadeiro marco no romance brasileiro, ao mesclar a prosa regionalista e uma sofisticada criação de neologismos, numa complexa e intrincada narrativa que se assume o tempo todo como jogo) e a poesia de João Cabral de Melo Neto.

Clarice Lispector

Na dramaturgia, o destaque vai para Nelson Rodrigues, com suas polêmicas peças, retratando os dilemas morais da classe média urbana carioca do período (Álbum de família,Vestido de noiva, Bonitinha mas ordinária, O beijo no asfalto, Toda nudez será castigada, entre outras).

Chega de Saudade (1959), de João Gilberto

O Rio de Janeiro também é cenário de uma outra revolução na música popular brasileira, em contraposição à poética dramática do samba-canção: é com o vocal sussurado e intimista de João Gilberto, no histórico disco Chega de saudade que vêm a público os primeiros acordes da bossa-nova, essa sofisticada mistura de samba e jazz, com suas melodias marcantes e harmonias complexas, com letras de suave melancolia.Outro nome central do movimento é o cantor e compositor Antônio Carlos Jobim.

Tom Jobim

Para a proposta inovadora da jovem Bossa, uma contraparte visual se faz necessária. É o que apresentará a gravadora Elenco, com suas capas minimalistas, nas cores preto e branco (com estratégicos detalhes vermelhos), inaugurando uma nova era não só no mercado fonográfico brasileiro, mas também no nascente campo do design gráfico nacional.

Textos estudados:“Da bossa nova à tropicália” (Santuza Cambraia Naves); verbetes “Oscar Niemeyer” (reportagem do Estadão), “Neo-concretismo” (Itaú Cultural) e “Poesia concreta”.

Leituras complementares: “Amor” (Clarice Lispector) e “Desenredo” (Guimarães Rosa)

Textos complementares: “Desenredo” (conto de Guimarães Rosa), “Amor” (conto de Clarice Lispector)

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Aula 13 – Vanguardas tardias do pós-guerra

Textos: “Resenha do filme Meshes of the Afternoon”(Fábio Visnadi), “Len Lye” (Letícia Salim Bathomarco), “Expressionismo Abstrato” (Enciclopédia Itaú – Artes Visuais), “Móbiles”(Enciclopédia Itaú – Artes Visuais) e verbetes biográficos sobre Yves Klein (Wikipédia) e Merce Cunningham.

O período que vai do final dos anos 40 até a ascensão da Pop Art (começo dos anos 60) é marcado por uma série de experiências que ampliam as propostas modernistas da primeira metade do século XX.

De certa maneira, a proximidade com a (então recente) experiência da guerra, marcada pela ausência e pelo vazio frente ao horror da extrema violência, trazia uma série de questões para o debate estético, que foram traduzidas de diversas formas em cada modalidade artística.

Na pintura, temos as propostas neodadaístas de Yves Klein, seja em sua pintura monocromática (utilizando o International Klein Blue, cor que ele mesmo patenteou), ou em performances como o célebre “Salto no vazio”.

O Salto no Vazio (Le saut dans le vide), fotomontagem performática de Yves Klein

Aliás, a valorização do gesto corporal surge como uma possível saída nesse processo de construção de novos sentidos estéticos, em especial na produção norte-americana (afinal, o período testemunha a mudança do centro vanguardista ocidental, da Europa para Nova Iorque): seja a pintura do Expressionismo Abstrato de Pollock ou Rothko, a improvisação no jazz, as coreografias de Merce Cunningham, os filmes experimentais da cineasta Maya Deren (associada a uma companhia de dança).

Se, em alguns casos, a crítica de arte modernista passa, a partir daí, a trabalhar com um discurso muitas vezes formalista, por outro lado, essa valorização do gesto do artista se traduz como uma espécie de vontade de liberdade, um querer deixar um rastro num mundo, como se fosse o primeiro rabisco numa página branca, prestes a ser preenchida por novos significados, ainda a serem construídos.

Merce Cunningham Dance Company – “Beach Birds”
Maya Deren- “Meshes in the afternoon” (1943)
Também fazem parte desse panorama as animações diretas na película de Len Lye; as pinturas gigantescas que o espanhol Joan Miró passa a produzir, depois de ter contato com a pintura de Pollock e companhia; os móbiles de Alexander Calder, inspirados em Miró; e as esculturas cinéticas do brasileiro Abraham Palatnik e do venezuelano Carlos Cruz-Diez.
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Aulas 9, 10, 11 e 12 – Arte moderna e vanguardas artísticas

Textos:  

Aulas 9 e 10: “Principais movimentos artísticos do século XX” e “Outras tendências da pintura moderna” (Graça Proença, livro “História da arte”) e “As artes: 1914-1945” (Eric Hobsbwawm, do livro “A era dos extremos”) 

Aulas 11 e 12: “A revolução da roda” (Gisele Sato), “O Brasil começa a viver o século XX: o movimento modernista” (Graça Proença, livro “História da arte”) e “Art Déco no Brasil” (Enciclopédia Itaú Artes Visuais)

De que maneiras a modernidade se traduziu nas artes visuais e cinéticas?

Como pensar o choque de valores da modernidade em termos estéticos? Seja pelo descompasso entre a subjetividade de cada indivíduo e um mundo exterior em transformação e aceleração tecnológicas constantes) ou pela incessante busca estética pelo novo, estimulada pelos avanços em diversos campos, as artes modernas se configuraram como um campo de forte experimentação na primeira metade do século XX – não somente na Europa, mas em boa parte do mundo ocidental.

A arquitetura de Gaudi

Durante quatro aulas, abordaremos especialmente as vanguardas artísticas e as primeiras correntes modernistas (inclusive no Brasil). que, com seus manifestos revolucionários, abriam espaço para uma série de subversões de sentidos e alargariam (e muito) o campo da experiência estética e do fazer artístico).

Nestas duas aulas, acompanharemos alguns desdobramentos das artes visuais  e do cinema nas quatro primeiras décadas do século XX, em especial nos seguintes momentos:

  • Stravinski e o nascimento da música moderna (e, por extensão, do balé moderno)
  • A continuidade da Art Nouveau no século XX (Klimt e Gaudi)
  • Os Expressionismos
  • Cubismo
  • Futurismo
  • Abstracionismos e Neoplasticismo
  • Construtivismo
  • Bauhaus
  • Cinema soviético dos anos 20
  • Dadaísmo
  • Surrealismo
  • Modernismos latino-americanso
  • Modernismo brasileiro e Art Déco

Três artistas terão um foco especial: Duchamp, Picasso e Dalí, para entendermos como a experiência vanguardista continuou ecoando no restante de suas respectivas carreiras, verdadeiros monumentos estéticos do século XX.

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Aulas 7 e 8 – AULA 7– A modernidade estética: O impacto do cinema e o hiperestímulo. A literatura e o mal-estar da modernidade

 Textos: “Modernidade, hiperestímulo e o início do sensacionalismo popular”, de Ben Singer. “O espectador cinematográfico antes do aparato do cinema” (Vanessa Schwartz), (ambos retirados do livro “O cinema e a invenção da vida moderna”)

Aqui, iremos discutir o conceito de modernidade a partir de sua definição estética, em especial a noção de “choque perceptivo” apresentada por Ben Singer em seu texto “Modernidade, Hiperestímulo e o início do sensacionalismo popular”.

Este texto, que é um dos capítulos que compõem o livro “O cinema e a invenção da vida moderna”(organizado por Leo Charney e Vanessa Schwarz), será discutido em aula, associado à leitura do conto “Um artista da Fome”, de Franz Kafka (escrito em 1922), e do texto “O espectador cinematográfico antes do aparato do cinema” (Vanessa Schwartz).

O objetivo da aula é, portanto, dialogar com o conceito da modernidade (político, sócio-econômico, cultural e sensorial) e perceber como esse novo “estado das coisas” foi traduzido pela literatura que surge no ocidente em princípios do século XX.

Material de apoio no Slideshare: clique aqui.

Textos de aula:

  • “Modernidade, hiperestímulo e o início do sensacionalismo popular” (Ben Singer, do livro O cinema e a invenção da vida moderna”).
  • “Um artista da fome” (conto de Franz Kafka)
  • trechos do Livro do desassossego (Fernando Pessoa)

Leitura complementa: trechos da edição especial da revista Bravo! (100 livros da literatura mundial) – Verbetes sobre os livros:

  • Em busca do tempo perdido(Proust)
  • Ulysses (James Joyce)
  • Crime e castigo (Dostoiévski)
  • O processo (Franz Kafka)
  • Doutor Fausto (Thomas Mann)
  • As flores do mal (Baudelaire)
  • O som e a fúria (Faulkner)
  • O grande Gatsby (Fitzgerald)
  • Uma estação no inferno (Rimbaud)
  • Mrs. Dalloway (Virginia Woolf)
  • Galileu Galilei (Bertold Brecht)
  • Mensagem (Fernando Pessoa)


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Aula 6 – Do Realismo ao Pós-Impressionismo

Aqui, acompanharemos as principais correntes das artes visuais européias no decorrer da segunda metade do século XIX:

  • Realismo: Courbet
  • Manet, o precursor do impressionismo
  • Arts and Crafts/Art Nouveau: Lalique e Tiffany
  • Impressionismo: Monet, Renoir, Degas (e, na música: Debussy e Ravel)
  • Pontilhismo: Seurat
  • Pós-impressionistas: Gaughin, Cézanne, Van Gogh, Toulouse Lautrec

Textos-base: “O realismo”, “O movimento de artes e ofícios e o Art Nouveau”, “O impressionismo” e “O pós-impressionismo”

Textos: “O realismo”, “O movimento das artes e oficios e o Art Nouveau” (Graça Proença, livro “História da arte”)

Textos: “O impressionismo” e “O pós-impressionismo” (Graça Proença, livro “História da arte”) 

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Aula 5 – A segunda metade do século XIX: a chegada da fotografia e a crise do Realismo. O art-nouveau.

Iniciando nossa segunda unidade, começamos uma periodização histórica da relação entre arte e comunicação social, a partir da chegada da fotografia, em meados do século XIX, com o trabalho de pioneiros como Niepce (ver imagem abaixo) e Daguerre. Traçaremos assim, uma breve linha do tempo desde o início da fotografia até o começo do século XX.

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AULA 3 e 4– O que é arte contemporânea? Quem é o artista contemporâneo?

banksy

A partir do texto estudado, tentamos traçar uma diferenciação inicial entre o modus operandi da Arte Moderna e o da Arte Contemporânea.

Texto-base: “Quem tem medo de arte contemporânea?” (TRECHOS), de Fernando Cocchiarale

Exibição do filme “A artista está presente”, sobre a performer Marina Abramovic – seguida de breve debate.

Outros estudos de caso: Arthur Bispo do Rosário, Banksy, Ai Wei-Wei.

abramovic

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Aulas 1 e 2 – O que é arte?

Partindo de uma discussão sobre o conceito de arte, buscaremos fazer uma breve revisão histórica do estatuto da arte nas sociedades ocidentais, até chegarmos à modernidade dos séculos XIX e XX e na contemporaneidade (últimos 40 anos). A idéia aqui é abrir uma discussão inicial sobre o lugar da arte e da experiência estética na vida contemporânea, que será melhor desenvolvida no decorrer do semestre.

Texto-base: capítulos iniciais do livro “O que é arte?”, de Jorge Coli (coleção Primeiros Passos).

Salvador Dali, por Jonas Mekas


AULA 1 – APRESENTAÇÃO DO PROGRAMA DA DISCIPLINA

História da Arte (COS 04823) – Jornalismo e Publicidade/ Primeiro Período

Objetivos da disciplina:

Entender e discutir os problemas suscitados pela arte nas sociedades complexas. Refletir sobre as interfaces existentes entre arte e comunicação. Realizar estudos de cultura contemporânea, brasileira e mundial.

Conteúdo Programático:

UNIDADE I – CONCEITUAÇÃO BÁSICA.

1- Definições sobre o fazer artístico.

1.1  – Interfaces e perspectivas de abordagem da arte:

  • Arte e sociologia; Arte e história; Arte e comunicação;
  • O sistema da arte, a indústria cultural.

 

UNIDADE II – ESTUDO DE PERÍODOS HISTÓRICOS RECENTES DA ARTE

2 – Movimentos da arte moderna e da modernidade tardia:

  • Impressionismo; Vanguardas do século XX; Do expressionismo abstrato e da Pop Art ao final do século XX; Artes mecânicas e eletrônicas – fotografia, cinema e arte eletrônica.

 

UNIDADE III – ARTE, CULTURA E COMUNICAÇÃO NA CONTEMPORANEIDADE

3 – Arte, cultura popular e cultura de massas.

3.1 Modalidades artísticas da atualidade: performance, land art, happening, minimalismo, arte conceitual, vídeo arte, intervenção urbana, grafitti, arte digital.

3.4 – Modos culturais da atualidade: relações entre arte, cultura de consumo e expressões de massa.

3.5 – Questões estéticas contemporâneas: O corpo nas artes; arte, consumo e ironia; arte e paisagem urbana; multiculturalismo e arte engajada; sampleamento e cultura da reciclagem; melancolia pós-pop; metalinguagem e discursos do real.

Referências bibliográficas:

CHARNEY, Leo & SCHWARTZ, Vanessa (orgs). O cinema e a invenção da vida moderna. São Paulo: Cosac & Naify, 2001.

COCCHIARALE, Fernando. Quem tem medo da arte contemporânea?. Recife: Fundação Joaquim Nabuco/ Ed. Massangana: 2006.

COELHO, Teixeira. O que é indústria cultural. São Paulo: Brasiliense, 1980.

COLI, Jorge. O que é arte. 15ªed. São Paulo: Brasiliense, 2004.

COSTA, Cristina. Questões de arte. O belo, a percepção estética e o fazer artístico. 2ªed. São Paulo: Moderna, 2004.

HOBSBAWM, Eric. Era dos extremos. O breve século XX 1914-1991. São Paulo: Companhia das Letras, 1995.

LUCIE-SMITH, Edward.  Os movimentos artísticos a partir de 1945. São Paulo: Martins Fontes, 2006.

MARTIN, Sylvia. VideoArt. Lisboa: Taschen, 2006.

MARZONA, Daniel. Arte conceptual. Lisboa: Taschen, 2007.

McCARTHY, David. Arte pop. São Paulo: Cosac & Naify, 2002.

Artigos variados de revistas especializadas e de coletâneas teóricas sobre os temas da disciplina.

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